sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Você tem Ética?

É tautológico falar em falta de ética no Congresso Nacional. Os escândalos se sucedem, do deputado que está “se lixando” para a opinião pública aos funcionários do Senado que, a exemplo de notórios senadores, ostentam um padrão de vida muito superior a seus vencimentos e à renda declarada.

Felizmente há exceções. Lástima que a indignação e o protesto de parlamentares íntegros tenham pouca ressonância nas ruas. Em geral, noticiam-se farra de passagens aéreas, castelos mirabolantes, mansões paradisíacas. Poucos tomam conhecimento da coerência de parlamentares incorruptíveis, incapazes, inclusive, de aceitar caixa dois em suas campanhas eleitorais.

A corrupção decorre da falta de caráter. Esta se manifesta, de modo especial, quando a pessoa se vê investida de uma função de poder, do policial que extorque o comerciante ou do delegado que embolsa pagamento de fianças ao empresário que suborna o funcionário público para obter licitações fajutas; do prefeito que se apropria dos recursos da merenda escolar a parlamentares que se julgam no direito de pagar, com dinheiro público, o salário de sua empregada doméstica.

Como dar um basta em tanta maracutaia? Difícil. O ser humano padece de duas limitações insuperáveis: defeito de fabricação e prazo de validade. É o que a Bíblia chama de “pecado original”. Sempre haverá homens e mulheres desprovidos de caráter, de princípios éticos, dispostos a não perder a primeira oportunidade de enriquecimento ilícito. A solução não reside no cultivo das virtudes, que tem sua importância. Fosse assim, os colégios religiosos, onde estudaram Collor e Maluf, seriam fábricas de anjos.

A solução é criar, via profunda reforma política, instituições que inibam os corruptos e mecanismos de controle popular. Em suma, tornar a nossa democracia, meramente delegativa, mais representativa e, sobretudo, participativa.

Enquanto a solução não aparece, sugiro que convidem, para ministrar um curso de ética no Congresso Nacional, Suas Excelências José Gomes da Costa, Rodrigo Botelho, Francisco Basílio Cavalcanti, Clélia Machado, Sebastião Breta e Fagner Tamborim.

O que essas pessoas fizeram não deveria ser considerado extraordinário. No entanto, frente aos casuísmos, ao nepotismo, à malversação, ao cinismo de parlamentares tentando justificar o injustificável, convém propalar o exemplo desses professores de ética.

José Gomes da Costa é gari da prefeitura de São Paulo. Ganha R$ 600 por mês. Vinte e seis vezes menos que um deputado federal. Com este salário, sustenta a si e três filhos. Dia 18 de maio último, ao varrer a rua, encontrou um cheque do Banco do Brasil no valor de R$ 2.514,95. José precisaria trabalhar quatro meses, sem nenhuma despesa, para acumular esta quantia. Procurou uma agencia do banco e devolveu o cheque. Motivo: vergonha na cara.

Gari, Rodrigo Botelho encontrou, em 26 de maio de 2008, durante Campeonato Mundial de Tênis de Mesa, no Rio, mochila com R$ 3 mil em dinheiro. Viu o nome do dono nos documentos, chamou-o pelo microfone e devolveu. Rodrigo é normal, tem caráter.

Francisco Basílio Cavalcante, faxineiro do aeroporto de Brasília, pai de 5 filhos, ganha salário mínimo. No dia 10 de março de 2004, encontrou uma bolsa de couro no banheiro do aeroporto. Dentro, US$ 10 mil e um passaporte. Se fosse juntar o salário que ganha, sem gastar um só centavo, levaria 3 anos e 4 meses para obter igual soma.
Francisco declarou: “Tem que ser assim. O que não é nosso precisa ser devolvido. Um dinheiro que não é da gente não pode ser do bem. Não pode trazer felicidade”.

Clélia Machado, 29, é auxiliar de serviços gerais e faz bico como manicure. Sozinha, cria duas filhas, uma de 7 anos, outra de 9. Sua renda mensal não chega a R$ 550. Todos os dias ela faz a faxina do banheiro do posto da Polícia Rodoviária Federal em Seberi (RS), onde trabalha há três anos. A 11 de março de 2008, encontrou, junto à privada, um pé de meia enrolado em papel higiênico. Dentro, US$ 6.715.

Clélia entregou os dólares aos policiais. Entrevistada, declarou: “Bem que podia ser meu de verdade. Mas já que não me pertencia, devolvi na hora. Era o certo a fazer.”

O gari Sebastião Breta, 43, da prefeitura de Cariacica (ES), devolveu os R$ 12.366 mil que achou num malote no lixo. O nome do homem que fora roubado estava gravado numa etiqueta. Sebastião ganha salário mínimo.

Indagado se pensou em ficar com o dinheiro, disse: “Nunca. Desde a primeira vez que vi sabia que devia devolver. Quando não consigo pagar as minhas contas fico doido, pensava o tempo todo como estaria o dono do dinheiro, imaginava que ele também não podia pagar suas contas porque tinha perdido tudo. Eu e minha mulher não conseguiríamos dormir à noite. Acho esquisito pegar o que é da gente”.

Fagner Tamborim, 17 anos, entregador de jornais na cidade de Pirajuí, a 398 km de São Paulo, ganha R$ 90 por mês. Enquanto pedalava sua bicicleta, encontrou na rua um malote com R$ 6 mil. Devolveu-o ao dono. “Vi que tinha muito dinheiro e cheques. Levei pra minha mãe, que ligou para o banco.”

O melhor do Brasil é o brasileiro, não necessariamente nossos parlamentares.

Frei Betto
Fonte: Solomon

*Tautologia: Vicio de linguagem que consiste em dizer, por formas diversas, sempre a mesma coisa. Repetição de um mesmo conceito. tautolocico adj. Definição do Aurélio

rsrsrs precisei buscar o significado desta palavra que "nunca antes" tinha ouvido falar rsrsrsrs

2 comentários:

  1. Sem dúvida o desafio aqui excede o limitado plano humano. A bíblia diz que a carne luta contra o espírito... na carne somente, não conseguimos fazer boas obras. Acho que este é um dos papéis da palavra de Deus, e porque não dizer da igreja; Oferecer referências reais de valores e princípios. Afinal se creio em Deus, sei que ele está vendo tudo... De fato muito provavelmente o chamado "efeito bumerangue" não perdoa. Impiedosamente volta para resgatar sua dívida. Falando em política, acredito que o Brasil é um caso especial no mundo. Morei na Alemanha um tempo, e vi que não há mesmo paraíso em qualquer lugar nesta terra, mas a diferença é que lá não são tão descarados, assim abertamente como aqui, isso é uma questão de honra própria que eles têm, vergonha na cara. Mas também é um fator, que na Europa em geral as leis funcionam. Mesmo que alguém tenha a coragem de fazer algo errado, a lei é aplicada indiscriminadamente a quem seja. Uma vez ia passando no vermelho para pedestres nas ruas de Berlin, e de repente a minha direita, uma menina de no máximo cinco anos me chama a atenção dizendo que era errado aquilo, e que eu devia esperar o sinal verde para pedestres... A mãe do lado só ficou olhando sem dar nenhuma palavra. Isto é um exemplo de educação e cultura. Nossas origens explicam muitas coisas.

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  2. Daniel que bacana seu comentário, fico feliz que esteja acompanhando nosso diário!!!
    Realmente acredito que o que falta ao nosso país seja cultura e educação mas ainda assim nos surpreendemos com pessoas simples como no caso o texto mostra que não se deixaram levar pela ganancia, pessoas que não sabem o que é de ter em abundancia mas sabem bem que não deve levar vantagem com bens que não lhe pertencem, tenho a impressão que a ética não tem classe social, Ela está onde menos esperamos, ela está no coração dos nobres!!!

    Abraço e contamos com seus comentários em outras oportunidades
    Deus o abençõe!

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